“É ótimo sentir que parte do que fiz possa ter ajudado a que chegassem à Fórmula 1”: Conheça Pedro Matos, o engenheiro português da Fórmula 2

Pierre Gasly, Oscar Piastri, Zhou Guanyu, Dennis Hauger, Frederik Vesti e Kimi Antonelli. Todos têm coisas em comum: são antigas ou atuais promessas do desporto motorizado e que passaram pelas ‘mãos’ de um engenheiro português, o Pedro Matos.

Por trás de muitos dos nomes que conhece e admira na Fórmula 1, na Fórmula 2 e até na Fórmula 3 estão milhares de pessoas, quer seja na box das diversas equipas, nas fábricas e até nas pistas para que nada falhe para o piloto poder brilhar ao longo dos fins de semana de Grandes Prémios, um desses papéis é o dos engenheiros de corrida.

É o caso de Pedro Matos, o ‘braço direito’ dos pilotos antes, durante e até depois de uma corrida. Há seis anos na Prema, umas das principais equipas na Fórmula 3 e na Fórmula 2, as camadas que servem de ‘bilhetes de entrada’ para a Fórmula 1, muitos ‘talentos’ passaram pelas mãos do português numa carreira que começou quando ainda era muito jovem… como piloto.

O início do sonho de piloto e a paixão pelo desporto motorizado

Mas, vamos começar pelo início, uma vez que, a paixão de Pedro Matos pelo desporto motorizado vem desde muito cedo, muito devido ao pai que “era um aficionado dos carros”.

“O meu pai corria na altura com carros clássicos, nada muito profissional, corria como hobby. Eu e o meu irmão crescemos nesse meio e um bocadinho por causa disso começámos a correr em karts”, começou por recordar.

O ‘bichinho’ dos carros rapidamente cresceu para Pedro que chegou a fazer “alguns campeonatos em Portugal e algumas corridas de Fórmula Ford, em Inglaterra”. Mas, o sonho de ser piloto chegaria ao fim quando atingiu a maioridade, uma vez que, “não havias as condições monetárias para continuar a carreira”.

$$caption$$

A falta de apoio financeiro aos atletas em Portugal é um problema que para Pedro Matos assola não só o “desporto motorizado, mas também os outros desportos”.

“Portugal, nesse sentido, é um país pequenino, infelizmente. Tem imensos talentos, que acabam algumas vezes por não chegarem mais além por falta de apoios”

Desta forma, a única solução que encontrou para poder prosseguir com a paixão pelo desporto motorizado era através do curso de Engenharia Motorsport, em Oxford Brookes, em Inglaterra.

Uma nova etapa: de piloto para engenheiro

Engenharia não era o sonho, contudo, era a única maneira que viu para juntar o melhor dos dois mundos: “continuar perto das corridas”, apesar de não pilotar, assim como permanecer “em contacto com o desporto motorizado”.

Ainda hoje em dia, Pedro considera que a verdadeira paixão vem da pilotagem e do desporto motorizado e não da componente mais técnica do carro e dos números, apesar de ser uma das grandes partes do seu trabalho.

“Acho que me considero mais um engenheiro de pilotos do que do carro”

Contudo, para prosseguir com esta nova etapa foi preciso deixar Portugal e seguir para Inglaterra para tirar o curso de ‘Engenharia Motorsport’, em Oxford Brookes.

“O curso de ‘Motorsport’ deu-me logo uma vantagem comparado com alguém que tire engenharia mecânica. Mas, na altura o que me ajudou bastante foi o facto de já ter tido experiência como piloto, saber como funciona o meio e isso deu-me vantagem para conseguir o meu primeiro estágio, na altura na ‘Ocean’, que era uma equipa portuguesa de Fórmula 2 do Tiago Monteiro e do José Guedes”, recordou.

$$caption-2$$

Segundo Pedro Matos, o mais difícil estava superado, visto que, “quando se está dentro do meio, é depender um bocado de si mesmo e do trabalho que se faz”.

Depois de uma primeira aventura na Ocean e de passagens na HTP Motorsport, na Caterham, onde trabalhou com Pierre Gasly, e na Status Grand Prix Engineering, os caminhos de Pedro Matos foram dar à Arden, a equipa fundada por Christian Horner e Garry Horner, onde acabou por ficar durante cinco anos.

“Já tinha trabalhado na Fórmula 2 como engenheiro de data e foi aí que comecei a carreira de engenheiro de corrida, na Fórmula 4, e aí trabalhei com o Oscar Piastri e com o Dennis Hauger, que depois voltei a encontrar na Prema”.

As provas do trabalho de Pedro Matos começavam a surgir, com campeonatos conquistados e recordes batidos e, foi aí que surgiu o ‘salto’ para a Prema. Já são quase seis anos a trabalhar na scuderia italiana, marcados pelo ambiente, que para Pedro Matos, é como se de uma família se tratasse.

$$caption-3$$

“Comecei na Fórmula Regional e depois do primeiro ano que tive com o Frederik Vesti, em que ganhámos o campeonato, eu e o Fred passámos para a Fórmula 3. Na altura a adaptação foi relativamente fácil, apesar do carro ser diferente, a Prema em todas as equipas tenta trabalhar com as mesmas bases, as mesmas ferramentas e o mesmo modo de trabalho”, explicou.

Mas, afinal o que faz um engenheiro?

Muitas das vezes o trabalho de um engenheiro acaba por não ser muito percetível pelo público em geral, que acaba por achar que este é apenas o elo de ligação entre a box e o piloto durante a corrida, embora também seja verdade, um engenheiro é muito mais do que apenas isso, e não há ninguém melhor para o explicar que Pedro Matos.

O primeiro ponto que é preciso perceber é que um fim de semana de Grande Prémio começa muito antes dos três dias em que há ação na pista (sexta, sábado e domingo).

“Todo o trabalho de preparação, principalmente, na Fórmula 2 e na Fórmula 3 é muito reduzido, só temos um treino livre antes da qualificação. O meu trabalho passa por preparar o fim de semana com bastante antecedência, decidir o ‘setup’ do carro com que vamos correr”, começou por explicar.

De relembrar ainda que, diferente da Fórmula 1, nos escalões de antecâmara da categoria rainha, todas as equipas têm o mesmo carro, o que os difere são as “infinitas combinações de setup” que podem ser feitas com o monolugar.

No backstage, um dos elementos-chave da preparação de uma corrida passa pelo uso do simulador, através do ‘lap time simulator’, que serve para testar os vários ‘setups’, assim como, para escolher as bases que irão ser utilizadas.

“Há também um trabalho muito importante com os pilotos no simulador, para preparar o fim de semana o mais possível. Nós fazemos quase um fim de semana de corridas inteiro no simulador antes do fim de semana de corrida, em si“, assumiu.

Contudo, o trabalho não fica por aqui, a parte que envolve mais o carro acaba por ser dada aos mecânicos conforme o ‘setup’ escolhido, mas, uma das partes mais relevantes do trabalho de Pedro Matos é com o piloto.

“Temos a parte muito humana do fim de semana, a parte do piloto, do ‘driver coaching’ em si e também temos um ‘quê’ de psicólogo, ou seja, de tentar tê-los sempre ali no melhor ‘mindset’ possível”, acrescentou.

Ser o elo de ligação com o piloto tem várias vertentes distintas: “É importante perceber o piloto, cada pessoa é uma pessoa. Cada piloto tem uma forma de receber melhor ou pior a informação. Eu acho que nesse sentido, o facto de eu já ter passado, não a este nível, mas por várias experiências enquanto piloto, consigo perceber bem o que eles precisam de ouvir em determinada altura”.

“É preciso ter sempre em conta a situação, se estivermos a discutir um campeonato, se tiver em jogo um lugar na Fórmula 1, é bastante diferente e tem de se adaptar a cada piloto”, acrescentou admitindo que a ‘chave’ para uma boa comunicação passa por transmitir a mensagem de forma positiva, mostrando calma, “mesmo quando as coisas não estão a correr bem e tentar que a comunicação seja bastante aberta entre os dois, para criar uma relação de confiança” para que ambas as partes possas exprimir o que é necessário ser mudado ou mantido.

Por sua vez, o trabalho durante o fim de semana no Grande Circo acaba por ser “mais ‘standard’, uma vez que, o tempo entre sessões é muito curto, principalmente na sexta-feira em que se realizam os treinos livres e a qualificação”.

“Este acaba por ser um trabalho mais de pressão, porque se tivermos um problema temos de o resolver o mais rapidamente possível com as ferramentas que temos para melhorar a performance o mais possível”, apontou.

A transição da Fórmula 3 para a Fórmula 2

Uma das diferenças da Fórmula 3 para a Fórmula 2, que pode passar despercebida aos espetadores, é que de um engenheiro, passam a existir dois: o engenheiro de data e o engenheiro de corrida.

Pedro Matos, o engenheiro de corridas, explica que quem trabalha como engenheiro de data “acaba por ser mais sobre a fiabilidade do carro, uma vez que, acaba por haver mais sensores na Fórmula 2. É também o preparar os dados, fazer relatórios”, de forma, a preparar o trabalho do engenheiro de corrida, ajudando-o da “melhor maneira possível”.

“Trabalhamos sempre todos em conjunto para o mesmo objetivo”

Mas, a informação vai para além dos dois engenheiros de cada piloto: “Normalmente nas equipas, e na Prema é assim que funciona, mesmo a informação que eu trabalho serve tanto, no caso deste ano, para o carro do Ollie [Bearman] como do Kimi [Antonelli]”.

$$caption-4$$

Desta forma, a informação acaba por ser “sempre aberta para os dois carros”, o que leva a que o trabalho seja feito entre “quatro engenheiros e o engenheiro chefe” que estão sempre a trabalhar na mesma direção, explicou Pedro Matos que admite ainda que: “Não há cá, este é o meu setup, este é o setup do outro carro. A comunicação acontece de uma maneira muito natural, como na Fórmula 3, em que eram três carros [por equipa] e cada carro tinha um engenheiro, procurávamos sempre em conjunto, passar a informação para a performance ser a melhor e isso só se consegue trabalhando em equipa”.

Os pilotos e… o sonho da Fórmula 1?

Já são muitos os pilotos com quem Pedro Matos já trabalhou, há nomes nesta lista que se destacam como o de Pierre Gasly e Oscar Piastri que alcançaram o estrelato da Fórmula 1. Para o engenheiro português poder fazer parte da evolução dos pilotos é algo gratificante.

$$caption-5$$

“É sempre um orgulho enorme ver a progressão que eles tiveram. Cada vez mais está a acontecer e eu comecei a carreira com eles, quando estavam na Fórmula 4, e agora estão a chegar ao patamar mais alto. É ótimo sentir que há uma parte do que eu fiz que possa ter ajudado a que chegassem à Fórmula 1“, admitiu.

Um dos momentos que marcou a carreira de Pedro Matos foi a conquista, em 2021, do campeonato de Fórmula 3, com Dennis Hauger, um feito que considera como “super especial”.

Mas, Pedro Matos tem dificuldade em destacar um piloto que tenha marcado a sua carreira, principalmente no que envolve a perspetiva de talento.

$$caption-6$$

“É muito difícil, porque cada piloto é um piloto… Não gosto de falar de talento, mas há pilotos que têm mais uma vocação para velocidade pura, outros têm uma inteligência fora de série e conseguem colmatar menos talento que tenham”, apontou.

Apesar disso, Pedro Matos destacou a relação com dois pilotos com quem já trabalhou: Oscar Piastri e Frederik Vesti.

“Com o Oscar foi uma ligação muito especial porque na altura foi a passagem dele dos karts para a Fórmula 4 e eu acabei por ser o primeiro engenheiro com quem ele trabalhou. Na altura eu também estava a começar a minha carreira como engenheiro de corrida e fomos crescendo os dois e ajudando-nos mutuamente. Para mim foi um orgulho enorme ele conseguir chegar onde chegou e atingir o objetivo da Fórmula 1″, começou por recordar assumindo que o atual piloto da McLaren foi o primeiro piloto com quem trabalhou “a sério”.

$$caption-7$$

“O Frederik Vesti foi o piloto com quem tive mais temporadas e foi pena não termos conseguido o título no ano passado [de Fórmula 2], mas é talvez aquele com quem tenha a relação mais próxima”, admitiu.

Esta temporada, Pedro Matos assumiu o papel de engenheiro de corrida de Kimi Antonelli, a jovem promessa da Mercedes que tem dado muito que falar, uma vez que tem sido apontado como o substituto de Lewis Hamilton na Mercedes.

Mas, também Oliver Bearman, o outro piloto da Prema, para a presente temporada, tem causado muito furor, principalmente após se ter estreado com um brilhante sétimo lugar, pela Ferrari, no Grande Prémio da Arábia Saudita, depois de Carlos Sainz ter sido operado a uma apendicite.

Ter duas jovens promessas na Prema acaba por ser uma mais-valia, contudo, Pedro Matos admite que “não é fácil” manter os pilotos com os ‘pés assentes na terra’, de forma a afastar os ‘burburinhos’ que correm tanto na imprensa como no paddock.

“Não é fácil… Eles têm de perceber que mesmo sendo uma possibilidade o foco tem de estar no presente e eles têm na mesma de fazer uma boa época da Fórmula 2. É difícil manter esses burburinhos fora do trabalho, mas como sempre tentamos sempre fazer o nosso melhor, focar-nos no que está à nossa frente naquele momento e naquele fim de semana de corrida”, adiantou.

Com os pés assentes no presente, mas os olhos postos na conquista do campeonato nesta temporada, Pedro Matos, em tom de brincadeira, admite que depois de não ter conseguido o campeonato com Vesti, este ano será a “vingança”.

Temos condições para conquistar o campeonato, acima de tudo temos dois pilotos muito bons. Tem sido um desafio porque este ano o carro mudou e as equipas estão todas a apalpar terreno e a aprender de umas corridas para as outras. Mas é esse o objetivo e estamos todos muito focados para que isso aconteça”, admitiu.

Com um historial de grandes pilotos e de muitos títulos, a Prema é sempre uma das equipas a abater, quer no campeonato de Fórmula 3, quer no de Fórmula 2. Para Pedro Matos “não há um segredo” para este sucesso, mas uma das ‘chaves’ é o trabalho em equipa.

“Somos uma equipa muito próxima. Desde cima da empresa, digamos assim, toda a gente quer o mesmo, que é ganhar e incutem os valores desde, em termos hierárquicos, cima até chegar a toda a gente que passa pela Prema, desde muito cedo. É uma motivação enorme poder trabalhar para uma equipa assim, não existe um segredo, por assim dizer, mas destacar o ambiente quase familiar com que trabalhamos e com que a equipa é gerida”, revelou.

Mas, quanto ao futuro será que Pedro Matos também ambiciona um dia chegar ao Grande Circo da Fórmula 1? A verdade é que é algo que o português admite que não é um objetivo.

“Não penso nisso… Neste momento, estou muito contente onde estou, gosto muito de estar na Prema. Se a oportunidade certa surgir, sim, mas isso implica sacrifícios pessoais ainda maiores do que já tenho trabalhando na Fórmula 2, são mais corridas, teria de mudar de país e é sempre uma decisão difícil de tomar…”, admitiu, mas sem fechar a porta à categoria rainha do desporto motorizado.

Se um dia a oportunidade da Fórmula 1 surgir, por que não? Mas o que mais me dá prazer e o que me dá mais gosto no que faço é, lá está, ver a progressão dos pilotos com quem trabalho e ajudá-los o mais possível para conseguirem atingir os seus objetivos”, concluiu.

Artigos Relacionados