A tomada de posse de André Villas Boas: Quem foi ao ar (ainda não) perdeu o lugar

‘A princípio é simples, anda-se sozinho’, canta Sérgio Godinho no início da canção ‘O primeiro dia’. Pois bem, é de facto o primeiro dia do resto da vida de André Villas-Boas, já empossado presidente do FC Porto, mas este ‘princípio’, que de ‘simples’ parece ter muito pouco, acontece com companhia a mais na ótica do antigo treinador portista.

Na cerimónia de tomada de posse dos órgãos sociais do FC Porto, realizada na Tribuna VIP com vista para o relvado do Dragão, não se pode apontar o dedo a qualquer quebra de protocolo. Tudo pareceu fluído no decorrer do evento, do início até ao fim, com cortesia, cordialidade e respeito. Mas terá sido só mesmo isso: um criterioso respeito pelo protocolo, com aplausos nos momentos certos e a quem de direito, numa passagem de testemunho perfeitamente higiénica. Resta saber se saudável.

Se um extraterrestre tivesse caído naquela sala, destinada às pessoas muito importantes, traduzindo à letra, nunca diria que até há bem pouco tempo Villas-Boas era o Luís André, que os que o acompanham apenas querem aproveitar-se do FC Porto, preparando-se para o vender aos árabes, e que o novo dirigente tinha sido acusado pelo anterior de que faltar a uma final da Taça de Portugal do FC Porto para estar presente num encontro de carros clássicos.

Há por isso que destacar o compromisso exemplar do protocolo. Tudo parecia perfeito (exceção feita a um curto parágrafo, por sinal o último, que teremos oportunidade de analisar), mas do parecer ao ser estão alguns quilómetros de distância, não muitos. Tudo porque ali perto, minutos depois, ligeiramente afastado do Estádio do Dragão, Pinto da Costa já falava em direto à SIC – depois de não ter dito uma única palavra na cerimónia – mostrando-se ligeiramente menos cortês quando confrontado com a impaciência de Villas-Boas relativamente à renúncia do atual Conselho de Administração da SAD em sair de cena no imediato. Mas quanto a isso, aproveitando o ‘mood’ tudo-tem-o-seu-tempo, já lá vamos.

“A vossa renúncia não seria um ato de fuga, mas um ato nobre”

Num discurso muito semelhante ao proferido na noite das eleições, aquando da vitória, Villas-Boas prometeu um FC Porto dos sócios e para os sócios, plural, transparente, vencedor. Até aqui, nada de novo. Manteve os princípios proclamados durante toda a campanha, mostrando-se fiel ao que tem defendido, enquanto repetiu a famigerada frase ironicamente criticada por Pinto da Costa, de que histórico líder seria para sempre “o presidente de todos os presidentes: “E não é uma metáfora”, alertou Villas-Boas, antecipando desde logo novas críticas do destinatário à frase tantas vezes dita na campanha pelo próprio.

Mas quando poucos esperavam um desvio no discurso – até então cumprido escrupulosamente (a comunicação social teve acesso ao mesmo minutos antes), Villas-Boas saiu do guião para a frase da tomada de posse: “A vossa renúncia não seria um ato de fuga, mas um ato nobre”, à qual acrescentou “O clube não tem dois presidentes, tem um presidente eleito pela vontade expressa dos sócios numa mudança. Atrasar o inevitável é adiar a construção de um FC Porto mais forte de futuro, e estou seguro de que é isso que vossas excelências desejam. Só há um Porto!” A frase, dita olhos nos olhos e minutos antes de cumprimentar os atuais administradores um a um, não implicou qualquer reação aos visados. Os aplausos mantiveram-se até ao fim, bem como os sorrisos, mantendo de pé a imagem de que tudo estava bem quando (não) acaba bem.

Perante a presença dos antigos jogadores Helton, Maniche e, claro, Jorge Costa, futuro diretor para o futebol, Villas-Boas começou por recordar o dia em que, ali mesmo, foi apresentado como treinador do FC Porto. Tinha 32 anos e será agora o 32.º presidente do FC Porto, recordando um ano de muitas conquistas, puxando até si os louros de uma época formidável que lhe valeu, em tempos, um dragão de ouro das mãos de Pinto da Costa, já treinador do Chelsea.

O destino que lhe estava traçado, como o próprio declarou tantas vezes, já começou. A assistir ao primeiro dia estiveram alguns capitães das modalidades, assim como alguns treinadores. Sérgio Conceição não era um deles, assim como Pepe. Se isso quer ou não dizer alguma coisa, ninguém sabe. “Os jogadores hoje tinham treino, foi por isso que o capitão e o treinador não estiveram presentes”, esclareceu o novo presidente do FC Porto. Quanto a isso, Villas-Boas apenas garante que esta quarta-feira, bem cedo, estará no Olival para falar com todos. Se Conceição está incluído nesse todos, pois bem, teremos de aguardar. Até porque foi Villas-Boas a fugir à questão, já mais tarde, quando confrontado com a tão badalada conversa com o técnico portista.

“Não peço a renúncia não é por fuga, é a pensar nos interesses do FC Porto. Estou convencido de que a minha presença no final da Taça de Portugal poderá ser uma ajuda para que vença”

Como foi escrito há pouco, ainda Villas-Boas não tinha falado aos jornalistas após a cerimónia, já Pinto da Costa dava uma entrevista exclusiva à SIC fora do Estádio do Dragão. Um atitude que, só por si, e depois de não ter discursado na cerimónia, tem inevitavelmente um peso, um significado. E as palavras de Pinto da Costa, como quase sempre, carregam em si mesmas uma intenção e um provável efeito, quanto mais não seja pelo peso que comporta, ainda e nos próximos anos – junto do clube azul e branco. Pinto da Costa falou para anunciar que vai querer estar presente na final do Jamor, mas não só. O antigo dirigente quer também estar no banco de suplentes, por acreditar ser um forte contributo para o sucesso da equipa. O histórico dirigente, que já tomou posse como um dos elementos do Conselho Superior, rejeita estar agarrado ao poder, apesar de anunciar que ficará até ao último jogo da época, fazendo uso de um poder que os estatutos do clube lhe conferem.

Uma no cravo, outra na ferradura

Se por um lado Pinto da Costa parece querer estabelecer uma ponte com Villas-Boas – “um nome com prestígio no FC Porto” – também é certo que não perdeu tempo a acusar novamente a comunicação social de ter favorecido o novo presidente durante a campanha. “Houve jornais de referência que fizeram entrevistas de primeira página com ele e eu nem sequer tive uma linha”. Mas não ficou por aqui: “Acredito que os elogios do Villas-Boas sejam sinceros, da parte de outros que me aplaudiram é um pouco de hipocrisia porque os conheço bem”.

Quão pesada será a sombra de Pinto da Costa?

O legado de 42 anos deixado por Pinto da Costa, apesar de nos últimos anos o caminho percorrido ter sido bem menos glorioso, era só por si pesado. Contudo, perante a rejeição em deixar o cargo no imediato – não só ele como toda a administração – levantam-se questões sobre os prazos de implementação do novo programa defendido por Villas-Boas e, mais do que isso, como será exercer o seu direito de presidente na sombra do ainda “presidente de todos os presidentes”.

Perante o cenário atual, estão reunidas as condições para se estabelecer uma passagem de testemunha serena, ausente de conflitos e quezílias? O que sentirão os 80% dos sócios que votaram de forma inequívoca no sentido de mudança ao se aperceberem de que a tal mudança vai demorar a iniciar-se na sua plenitude? São perguntas, para já, sem resposta. Mas há pelo menos um sinal que já foi dado, amplamente contrário ao que parece ter sugerido o telefonema recebido por André Villas-Boas no dia seguinte a ter ganho as eleições. Ironicamente, fazendo uso dos dois slogans das campanhas de Villas-Boas e Pinto da Costa – ‘Só há um Porto’ e ‘Todos Pelo Porto’ – é caso para perguntar: Será mesmo assim?

Artigos Relacionados